Mesmo
que não haja consenso entre os pais, a guarda compartilhada de menor pode ser
decretada em juízo.
A Terceira Turma adotou esse entendimento ao julgar recurso
contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), interposto por
pai que pretendia ter a guarda exclusiva do filho.
O
pai requereu a guarda do filho sob a alegação de que a ex-mulher tentou levá-lo
para morar em outra cidade. Alegou ter melhores condições para criar a criança
do que a mãe. Na primeira instância, foi determinada a guarda compartilhada,
com alternância de fins de semana, férias e feriados. Além disso, o filho
deveria passar três dias da semana com um dos pais e quatro com outro, também
alternadamente.
O
pai recorreu, mas o TJMG manteve o julgado anterior por considerar que não
havia razões para alterar a guarda compartilhada. Para o tribunal mineiro, os
interesses do menor são mais bem atendidos desse modo.
No
recurso ao STJ, o pai alegou que a decisão do TJMG teria contrariado os artigos
1.583 e 1.584 do Código Civil, que regulam a guarda compartilhada – a qual,
para ele, só deveria ser deferida se houvesse relacionamento cordato entre os
pais. Alegou ainda que a alternância entre as casas dos pais caracterizaria a
guarda alternada, repudiada pela doutrina por causar efeitos negativos à
criança.
A
questão da necessidade de consenso entre os pais é um tema novo no STJ,
destacou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi. Ela lembrou que a
guarda compartilhada entrou na legislação brasileira apenas em 2008 (com a Lei
11.698, que alterou o Código Civil de 2002) e que a necessidade de consenso tem
gerado acirradas discussões entre os doutrinadores.
“Os
direitos dos pais em relação aos filhos são, na verdade, outorgas legais que
têm por objetivo a proteção à criança e ao adolescente”, asseverou,
acrescentando que “exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco
distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora
a busca do melhor interesse do menor”.
A
ministra disse que o CC de 2002 deu ênfase ao exercício conjunto do poder
familiar em caso de separação – não mais apenas pelas mães, como era
tradicional. “O poder familiar deve ser exercido, nos limites de sua
possibilidade, por ambos os genitores. Infere-se dessa premissa a primazia da
guarda compartilhada sobre a unilateral”, afirmou. Ela apontou que, apesar do
consenso ser desejável, a separação geralmente ocorre quando há maior
distanciamento do casal. Portanto, tal exigência deve ser avaliada com
ponderação.
“É
questionável a afirmação de que a litigiosidade entre os pais impede a fixação
da guarda compartilhada, pois se ignora toda a estruturação teórica, prática e
legal que aponta para a adoção da guarda compartilhada como regra”, disse a
ministra. O foco, salientou, deve ser sempre o bem estar do menor, que é mais
bem atendido com a guarda compartilhada pelo ex-casal. A ação de equipe
interdisciplinar, prevista no artigo 1.584, parágrafo 3º, visa exatamente a
facilitar o exercício da guarda compartilhada.
A
ministra admitiu que o compartilhamento da guarda pode ser dificultado pela
intransigência de um ou de ambos os pais, contudo, mesmo assim, o procedimento
deve ser buscado. “A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício
do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles
reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam
usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”,
afirmou ela.
Segundo
Nancy Andrighi, “a drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de
cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda
compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à
implementação dessa nova visão”.
A
relatora também considerou que não ficou caracterizada a guarda alternada.
Nesses casos, quando a criança está com um dos pais, este exerce totalmente o
poder familiar. Na compartilhada, mesmo que a custódia física esteja com um dos
pais, os dois têm autoridade legal sobre o menor.
Ela
afirmou ainda que “a guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a
custódia física conjunta, sempre que possível, como sua efetiva expressão”.
Detalhes como localização das residências, capacidade financeira,
disponibilidade de tempo e rotinas do menor, de acordo com a ministra, devem
ser levados em conta nas definições sobre a custódia física.
Rejeitado
o recurso do pai, a guarda compartilhada foi mantida nos termos definidos pela
Justiça de Minas Gerais.